Cocaína - Por Aleister Crowley - parte final
Era uma pessoa muito cansada, nessa tarde calorosa de Verão de 1909, a que perambulava pelo Logroño.
Até o rio parecia preguiçoso demais para fluir, e se estancava em piscinas, com a língua para fora. O ar vislumbrava suavemente; nas cidades os terraços dos cafés estavam cheios de gente. Não tinham nada para fazer e estavam seriamente determinados a isso. Sorviam o vinho áspero dos Pirineus, ou um Riojo do sul bem aguado, ou brincavam com taças de cerveja pálida. Se algum deles tivesse lido o discurso do General O’Ryan ao soldado americano, pensariam que sua mente estava afetada.
“O álcool, seja cerveja, vinho, uísque, ou qualquer outro, engendra ineficácia. Enquanto afeta de distintas formas aos homens, seus resultados são iguais por deixar os homens fora de seu estado normal por algum tempo. Alguns se tornam descuidados, outros briguentos. Alguns se alvoroçam, outros se indispõem, algunsadormecem, outros têm suas paixões estimuladas em grandes proporções”.
No que diz respeito a nós, estávamos em marcha para Madrid. Obrigaram-nos a nos apressar. Uma semana, ou um mês, ou um ano no máximo, e nós temos que deixar Logroño em obediência ao chamado do trompete de dever. De qualquer modo, decidimos esquecê-lo por hora. Sentamos-nos, trocamos pontos de vista e experiências com os provincianos. De fato de que nos apressávamos, nos tomaram por anarquistas e lhes aliviou nossa explicação de que éramos “ingleses loucos”. E estávamos todos felizes juntos; e eu ainda estou me chutando como um louco por ter ido até Madrid.
Se alguém está em um jantar em Londres ou em Nova York, se funde num abismo de aborrecimento. Não há tema de interesse geral, não há engenho; é como esperar um trem. Em Londres um indivíduo se sobrepõe
ao ambiente bebendo uma garrafa de champanhe o mais rapidamente possível; em Nova York exageram nos coquetéis. Os vinhos ligeiros e as cervejas da Europa, tomados com moderação, não servem de nada; não há tempo de ser feliz, assim devem se excitar. Jantando só, ou com amigos, em contraste com o ambiente de uma festa, alguém pode estar inteiramente à vontade com Burgundy ou Bordeaux. Tem-se toda a noite adiante para er feliz e não é necessário se apressar. Mas o nova-iorquino normal não tem tempo nem sequer para uma ceia! Quase lamenta a ora em que seu escritório fecha. Seu cérebro, contudo está ocupado com seus planos. Quando deseja “prazer”, calcula que pode se permitir por meia hora somente. Tem que despejar garganta abaixo os mais fortes licores em velocidade máxima.
Agora imagine esse homem – ou essa mulher – com um leve impedimento: seu tempo disponível é diminuído. Já não desperdiça nem dez minutos na obtenção de “prazer”, ou talvez não se atreva a beber abertamente nafrente de outras pessoas. Pois bem, seu remédio é simples; pode conseguir a ação imediata da cocaína. Não há odor, e pode ser tão discreto como qualquer ancião eclesiástico poderia desejar. O mal da civilização é a vida intensa, que exige estimulação intensa. A natureza humana requer prazer; os prazeres saudáveis requerem ócio; devemos escolher entre a intoxicação e a sesta. Não há viciados em cocaína em Logroño.
Por outro lado, na ausência de uma atmosfera, a vida exige uma conversação; devemos escolher entre a intoxicação e o cultivo da mente. Não há viciados entre as pessoas preocupadas em primeiro lugar com a ciência, a filosofia, a arte e a literatura.
Todavia, concedamos as reivindicações dos proibidores. Admitamos o argumento sustentado pela polícia de que a cocaína e outras drogas são usadas por criminosos que de outra forma não teriam sangue frio para agir. Também se afirma que os efeitos da droga são tão mortais que os ladrões mais astutos rapidamente perdem suas habilidades. Por todos os céus, então que montem armazéns onde se possa conseguir cocaína grátis!
Você não pode curar um viciado; você não pode fazer dele um cidadão útil. Ele nunca foi um bom cidadão, se o fosse não cairia na escravidão do vício. Se o reforma temporariamente, com grande custo, risco e problemas, todo o trabalho desaparecerá como uma bruma matinal quando ele encarar a próxima tentação. O remédio apropriado é deixar que siga seu caminho e que vá para o diabo. Em vez de menores quantidades da droga, dá a ele mais droga e acaba com ele. Seu destino será uma advertência para seus vizinhos e em um ano ou dois as pessoas que o conheceram terão um pouco mais de senso para evitar o perigo. Os que não o tenham, deixe que morram também e salva o estado. Os débeis morais são um perigo para a sociedade, seja qual for a linha que sigam suas faltas. Se eles são tão amáveis enquanto se matam seria um crime interferir.
Direis que enquanto estas pessoas vão se matando elas vão também causando desordem. Talvez, mas elas já estão fazendo isso agora.
A proibição criou um tráfico criminoso subterrâneo, como sempre acontece; e os males que advém disso são imensuráveis. Milhares de cidadãos estão associados para derrotar a lei, e verdadeiramente a própria lei os suborna para fazerem isso, pois os lucros do comércio ilícito são enormes, e quanto mais restrita é a proibição, mais irracionalmente grandes são esses lucros. Fazer isso pode erradicar o uso de lenços de seda e as pessoas dirão: “pois muito bem, usaremos o linho”. Mas o cocainômano deseja cocaína e não podereis dissuadi-lo com sais de Epsom. Por outro lado, sua mente perdeu toda proporção; pagará qualquer coisa por sua droga; ele nunca dirá “não posso pagar isso”; e se o preço é alto ele furtará, roubará e matará para consegui-la. Volto a dizer: não se pode curar um viciado; tudo o que for feito para evitar que consigam a droga resultará em uma classe de criminosos astutos e perigosos, mesmo que os prenda a todos, algum deles terá melhorado?
Enquanto tenham lucros tão grandes (de mil a dois mil por cento) ao alcance dos distribuidores secretos, será de interesse deles criar novas vítimas. E os benefícios na atualidade valeriam minha ida e volta de primeira classe para Londres para contrabandear não mais cocaína do que aquela que cabe no forro do meu sobretudo! Com todos os gastos pagos e com uma bela quantia em dinheiro no banco ao final da viagem! E ainda com toda a lei, espiões e outros, eu poderia vender meu material no bairro chinês com um risco mínimo em uma só noite.
Outro ponto é este. A proibição não pode ser levada ao extremo. É impossível, em última instância, tirar as drogas dos médicos. Agora os médicos, mais que qualquer outra classe, são viciados; e também há muitos que traficarão drogas motivados pelo dinheiro ou pelo poder. Se você possui uma provisão da droga, você é capaz de ser o amo do corpo e da alma de qualquer pessoa que necessite dela.
As pessoas não entendem que uma droga, para seu escravo, é mais valiosa que o ouro ou os diamantes; uma mulher virtuosa pode estar por cima dos rubis, mas a experiência médica nos diz que não há mulher virtuosa necessitada de droga que não se prostitua para um maltrapilho em troca de uma cheirada.E se for verdade que um quinto da população dessa pequena e incorreta ilha usa alguma droga, então teremosuns tempos muito vivos.
O disparate do argumento proibicionista é demonstrado pela experiência de Londres e de outras cidades européias. Em Londres qualquer pai de família, ou pessoa de aspecto respeitável, pode comprar droga tão facilmente como se fosse queijo; e Londres não está cheia de maníacos delirantes, cheirando cocaína pelas esquinas, nos intervalos produzidos entre arrobamentos, violações, incêndios provocados, assassinatos, estelionatos e crimes de alta traição, como nos asseguram que deve ser o caso quando se permite amavelmente que um povo livre exercite um pouco de sua liberdade. Ou, se o argumento proibicionista não é absurdo, então é um comentário sobre o nível moral do povo dos Estados Unidos que teria ofendido justamente aos diabos de Gadara após terem entrado nos porcos.
Não estou aqui para protestar em seu nome; observando a justiça da observação, continuo dizendo que a
proibição não é nenhum um (único) remédio. O remédio está em dar para as pessoas algo sobre o que possam ensar, em desenvolver suas mentes, em preenchê-las de ambições mais além dos dólares, em instaurar uma pauta de logro que fosse medida em termo de realidades eternas. Em uma palavra, em educá-las. Se isto parece impossível, felicitações; é outro argumento para encorajá-los a tomarem cocaína.
FIM.
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